segunda-feira, 27 de junho de 2011

Eólicas: as duas faces da mesma moeda

Central Eólica da Volta do Rio - Acaraú/ CE
Duas centrais eólicas estão instaladas em Acaraú/CE: na Praia do Morgado e na Volta do Rio, e torres chegaram a ser instaladas na comunidade de Espraiado. A implantação desses parques eólicos é estimulado pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), conforme Decreto Federal Nº 5.025, de 2004, instituído com o objetivo de diversificar a matriz energética brasileira, buscando alternativas para aumentar a segurança no abastecimento de energia elétrica, além de permitir a valorização das características e potencialidades regionais e locais.
A energia eólica, como a atestada em Acaraú, em que cada central gera em torno de 35,8 Megawatts de potência, gera uma energia considerada limpa, uma vez que não libera gases ou resíduos que contribuem para o aquecimento global. Mas a instalação e operacionalização dessas centrais são responsáveis por efeitos danosos com relação ao meio ambiente.
Nossa equipe ouviu órgãos ambientais, especialistas e ambientalistas para mostrar todos os prós e contras desses empreendimentos. Devastação do mangue, poluição visual, privatização do espaço público, impactos negativos com relação ao pescado, ruídos que incomodam comunidades próximas e descompromisso com a população local estão entre os principais problemas apontados. Afinal, será que a instalação dessas centrais eólicas traz mais benefícios ou deveria ser repensada?

Como é concedida a licença para o funcionamento da eólica
O gestor ambiental da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) explica que o primeiro passo é a empresa dar entrada no órgão do pedido da primeira licença, que é conhecida como licença prévia, em que a Semace leva em conta fatores, como a localização do empreendimento. Essa licença tem validade de um ano, podendo ser prorrogada pelo mesmo período.
Em seguida, o empreendimento entra com a licença de instalação, com validade de dois anos, podendo ser renovada pelo mesmo período. E por último, a licença de operação. Essas licenças são concedidas após aprovação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA).
A engenheira ambiental da empresa eólica Impsa Wind, que dispõe de centrais em Acaraú, explica que para solicitação das licenças, a empresa contrata uma equipe multidisciplinar, composta por geólogos, engenheiros, biólogos etc. que devem elaborar um Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/ RIMA), conforme Resolução Nº 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). “No criterioso relatório, deverá constar descrição de fatores biológicos, físicos e econômicos, explicação do projeto, identificando as interferências, grau de magnitude e duração, além do desenvolvimento do gerenciamento e doas propostas de minimização para os principais problemas apontados”
Conforme explica o Secretário Municipal do Meio Ambiente de Acaraú, Márcio Cavalcante, todo esse processo só é possível após carta de anuência concedida pelo Município, após aprovação do Conselho Municipal do Meio Ambiente. A anuência é um documento que informa que a localização do empreendimento está de acordo com a Lei Municipal de Uso e Ocupação dos Solos. Audiências públicas são realizadas com todos os segmentos interessados ou afetados pelo projeto, quando o projeto pode passar por algumas adequações.

Impactos ambientais negativos

Secretário Márcio Cavalcante

As eólicas, como as atestadas em Acaraú, estão instaladas em Área de Preservação Permanente (APP), especificado na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) Nº 003, de 20 de março de 2002, uma vez que situadas em área de dunas e manguezal, que inviabilizaria sua instalação. Conforme o Secretário Municipal do Meio Ambiente, Márcio Cavalcante, antigamente, “as anuências municipais eram concedidas em APPs, mas atualmente, uma condicionante principal é a não utilização, mesmo que temporária, das Áreas de Preservação Permanente.”
Além de situarem-se em Áreas de Preservação Permanente, a professora da área de Biologia, Rafaela Camargo, membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente e que trabalhou em 2009 na Secretaria do Meio Ambiente, elencou outros problemas: a retirada indevida de dunas para a instalação dos aerogeradores, “que acabou devastando uma enorme quantidade de dunas, que deveriam ser preservadas, como especificado na Resolução do Conama”.
Além disso, a docente relatou que “uma enorme quantidade de vegetação do mangue foi degradada pelas eólicas, principalmente na fase de instalação, uma vez que se abriram estradas para passarem os caminhões que transportavam materiais e aerogeradores”. Em consequência disso, Rafela explica que “o mangue salinizou e resultou na morte de várias espécies.”
A especialista ainda critica que não é feito um estudo de impacto sobre a mortandade de aves migratórias, além de ocorrer a poluição visual, entre outros impactos. “Cabe aos órgãos ambientais avaliar o custo-benefício da instalação desses empreendimentos, se realmente vale a pena ou não.”
O Secretário do Meio Ambiente de Acaraú, Márcio Cavalcante defende que a energia eólica é importante, uma vez que diversifica a matriz energética, além de que “a energia eólica está especificada na Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) como empreendimento de médio potencial poluidor degradador, não causando tantos impactos com relação à energia hidrelétrica e nuclear.”
Aliado a isso, a engenheira ambiental Silvia Honorato, da Impsa, elenca como pontos positivos, a geração por parte da empresa de recursos, principalmente baseado no Imposto Sobre Serviços (ISS) arrecadado na instalação e operação, que beneficia o Município. “Além disso, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, por meio da venda de energia, em que parte dessa renda é revertida ao Município, por meio de benfeitorias.”

Ambientalista Mentinha

A engenheira ainda defende que há geração de uma enorme quantidade de empregos diretos e indiretos. Informação refutada pela ambientalista Maria do Livramento Santos, conhecida como “Mentinha”, tesoureira da Associação Comunitária de Marisqueiros e Pescadores de Curral Velho. “Diziam que ia ser bom, que iam dar emprego, iam trazer benefício pra comunidade, construindo creches, campos de futebol. Cadê? Emprego pra comunidade são os piores empregos e de forma temporária. Não pode contar com esse salário pra fazer uma prestação.”
Além disso, a ambientalista Mentinha elenca uma enorme lista de impactos negativos que são gerados em relação ao meio ambiente pela instalação e operacionalização das eólicas. O mangue devastado, que acaba fazendo desaparecer espécies, como do caranguejo, de sardinha. “A devastação do mangue, a poluição com o óleo das máquinas, a influência nas marés, estão interferindo diretamente no sumiço de algumas espécies e consequentemente na nossa sobrevivência”.
Mentinha denuncia ainda que há uma privatização da praia, que é um bem público. “A gente, aqui do Curral Velho, foi lá na Praia do Morgado fazer um trabalho pra mostrar numa Audiência Pública, aí os seguranças disseram lá: ‘hoje vocês passam aqui, mas amanhã não mais’. Os pescadores também que tem barraca lá disseram que não permitem que passe mais ninguém lá.”
A engenheira ambiental da Impsa, Silvia Honorato rebate negou a denúncia de que a praia que dispõe de centrais eólicas estivesse impedindo visitações. “A praia é um bem público, não impedimos nenhuma visitação.”
Mentinha declarou ter participado de três audiências públicas envolvendo a energia eólica. Em uma delas, ocorrida em novembro do ano passado, em Acaraú, foi convidada pela Secretaria do Meio Ambiente, mas não pôde participar, uma vez que foi, segundo ela, barrada e espancada pela Polícia Militar. “Eles não deixaram a gente entrar. Nós exigimos em participar da audiência e acabaram partindo pra violência. Eu e Professora Regina, da comunidade do Espraiado fomos espancadas pela Polícia Militar.”
Indagada sobre se a manifestação promovida pela Associação seria pacífica, a ambientalista declara “pacífica desde que nos respeitem e não queiram tirar nossos direitos.” Segundo Mentinha, desde esse impasse na Audiência Pública, passou a ser ameaçada de morte. A ambientalista buscou ajuda da Comissão dos Direitos Humanos de Brasília, que vieram pessoalmente estudar o caso de Mentinha. Esta foi orientada a sair de Acaraú, mas preferiu ficar na cidade.
Conforme a engenheira ambiental da Impsa, Silvia Honorato, todas as audiências são abertas ao público e que na consecução do projeto são considerados todos os pontos de vista, dos órgãos ambientais, da sociedade civil organizada, de autoridades. Um dos benefícios elencados pela engenheira está a demarcação das terras para entrega a comunidade. “Estamos cadastrando as famílias que serão beneficiadas.”
O Secretário Márcio Cavalcante reconhece que há impactos negativos que não podem ser desconsiderados na instalação e operação das eólicas, como a impermeabilização do solo, geração de resíduos contaminados com óleo, decorrentes da manutenção de equipamentos, geração de ruído por meio do funcionamento dos aerogeradores, que incomoda a comunidade, além do desmatamento com a instalação. “Ainda existe a diminuição do investimento turístico, uma vez que a praia se torna menos atrativa com o empreendimento.”
Com relação aos impactos, que o gestor ambiental da Semace, Ilker Sales, afirma serem mais intensos apenas na fase de instalação, existem compensações ambientais, conhecidos como medidas mitificadoras, que destinam divisas aos órgãos ambientais para atuações de conservação, além de doações de muda e reflorestamento.  “A energia eólica, instalada com rigor técnico-operacional não trará danos impactantes ao meio ambiente”.
João Marcelo Andrade Alves, um dos fundadores da ONG Cultura e Arte Solidária de Acaraú (C.A.S.A.), que desde 2007 faz trabalhos de promoção à juventude da cultura e arte associada ao meio ambiente é contra a forma como as eólicas são instaladas, com a derrubada do mangue, da mata ciliar. “A gente nota que o ambiente mudou, acabou devastando bastante.”
Além disso, o ambientalista defende que deve haver uma responsabilidade socioambiental por parte da empresa com relação à comunidade do entorno do empreendimento. “Tem que trazer benefício à comunidade. Tem que incluir as pessoas por meio de projetos sociais, fazendo com que a comunidade permaneça no local, dando subsídios para que as pessoas se desenvolvam também.”



Denúncia. Consórcio de licenciamento
O técnico ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que atua na região de Acaraú, Roberto Hugo Gonçalves Martins, defende que “todo empreendimento eólico é predatório. Todos eles. Todas as obras acabaram atingindo o mangue e causando danos irreversíveis.”
O técnico informa que todos os relatórios de fiscalização e fotos são repassados à Semace, que não aciona os empreendimentos. Roberto acredita que haja um consórcio entre ambas que acaba ficam de braços cruzados, enquanto os empreendimentos continuam a devastar o mangue e interferir nas dunas. “A gente expõe o problema a Semace, mas eles dizem que a eólica é licenciada e estão atuando legalmente. Acabam sendo acobertados pelo Estado.
O Ibama tem recebido, conforme informa o técnico do órgão, Roberto Gonçalves, várias denúncias da população. “A comunidade impede mesmo. Impediram no Espraiado. A comunidade fez uma grande mobilização para não deixar degradar. A gente acaba embargando a obra. Mas quando existe o consórcio do licenciamento, a gente não pode fazer nada.

Fala, cidadão!


Francisco Lairton - Comunidade do Espraiado
 
Francisco Lairton Alves, 33 anos, barraqueiro e morador da Praia de Espraiado, filho de pescadores, critica completamente a forma como as eólicas são instaladas na região. O barraqueiro acusa a Impsa de ter avançado no projeto de Volta do Rio para a comunidade de Espraiado. “Não estava planejado ser instalado no nosso território, daí também a revolta da nossa comunidade.”
Conforme o barraqueiro, o empreendimento só traz danos à comunidade e elenca uma infinidade de pontos negativos. “Na volta do Rio, cortaram a croa (banco de areia responsável pela barreira do mar), que diminuiu a sustentação das barracas, além de fazer com que o mar avance com mais intensidade. Na maré alta, essa água não tem para onde ir e invade as casas.”
O morador ainda diz que a comunidade que reside próximo aos aerogeradores reclama do barulho dos aerogeradores, que segundo ele, chega até a 80 decibéis. Outro problema apontado é a diminuição de certas espécies de peixe, que provavelmente tenha a ver com a instalação das eólicas. “O pescador hoje tem que sair de sua comunidade para outras localidades a fim de pescar. Se for coincidência, tem que explicar, por que sumiu grande quantidade de peixes da nossa costa.”
O barraqueiro complementa informando que “no curral do Seu Ivo, na Volta do Rio, que fica perto de uma das torres, ele não ta conseguindo pescar nem 10% do que ele pescava.” Francisco Lairton denuncia que “a instalação da empresa eólica na região trouxe como consequência a destruição do mangue, por meio da abertura de estradas, prostituição, uma vez que vem gente de fora que acaba prostituindo adolescentes.” Alem disso, conforme Lairton, a empresa prometeu empregos que só foram concedidos à comunidade na época da terraplanagem a baixíssimos salários.
O barraqueiro acredita que a aliança com políticos, órgãos ambientais e Poder Judiciário protege as empresas que ficam protegidas para agir em desconformidade com o desenvolvimento sustentável e em desconformidade com os interesses da comunidade. “Nas audiências públicas, o Ministério Público não se faz presente. A Semace concede na maior facilidade as licenças da empresa. A Semace é tão corrupta quanto o pessoal da eólica.”
Lairton ainda faz uma acusação grave contra a eólica, que esta teria procurado comprar o apoio da comunidade de Espraiado. “Em uma audiência pública ocorrida em fevereiro deste ano no Fórum de Acaraú, o vereador de Juritianha Paulo Silveira denunciou na frente de todo mundo que a eólica queria entregar a ela R$ 500 mil pra ele ficar com R$ 100 mil e distribuir os R$ 400 mil à nossa comunidade, mas ele não aceitou isso não.Conforme Lairton, a empresa foi ao local, fez medição de terreno, fez demarcação, sob protestos da comunidade. “Aqui essa eólica não vai ser instalada não, porque nós não vamos deixar.”
Lairton defende a energia eólica em si, tida como energia limpa, do futuro, que não emite gases tóxicos como o CO2, responsável pelo efeito estufa, além de ser mais uma alternativa de energia, “mas da forma como querem instalar na nossa comunidade não permitimos.”
 Benefícios à comunidade do entorno das eólicas, por meio de benfeitorias públicas, como creches, campo de futebol, que deveriam ser revertidos por meio dos impostos arrecadados, não existe conforme Lairton. “Ainda queriam instalar as torres próximo ao campo de futebol, que é um dos poucos divertimentos que dispõe nossa juventude.” O barraqueiro finaliza a entrevista defendendo que “essa energia eólica que veio pra Acaraú foi toda premeditada por políticos.”
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Maria Cícera - Comunidade de Volta do Rio
Maria Cícera do Nascimento, 53 anos, professora aposentada, nativa e moradora da praia de Volta do Rio, em Acaraú, defende que com a chegada da empresa eólica no local, os moradores foram bastante beneficiados com emprego e benfeitorias. “Tem gente trabalhando como auxiliar de serviços gerais, como segurança, que trabalhou na instalação da empresa. Gente que trabalha um ano, um ano e oito meses, dois anos. Com salários razoáveis, de até uns R$ 1.300,00. Não tem essa história de entrar hoje e sair amanhã.”
Além disso, a aposentada relata que foi feita a doação de seis computadores com impressora à Escola Municipal Laura Furtado, que atende a comunidade. “Só não foram instalados os computadores ainda porque a escola não poderia comportar os equipamentos, daí o Prefeito mandou reformar o prédio. Até lá, os computadores estão guardados na minha casa.”
Cícera ainda descreve outras benfeitorias efetuadas pela Impsa com relação à comunidade de Volta do Rio, como a contrução de um poço, na Fazenda Papagaio. Segundo Cícera, o poço atende a comunidade de Volta do Rio, Eepraiado e das Ostras. “A empresa deu a bomba, encanamento, instalação e a água é encanada.” Mas um valor é repassado pelos moradores à Associação Comunitária de Volta do Rio mensalmente, conforme a moradora para fazer um caixa em caso de necessidade de manutenção do poço. “No começo, algumas pessoas estavam com resistência em dar o valor, mas por segurança, a gente tem esse caixa para quando acontecer uma eventualidade e a gente não ficar sem água.” Antes da construção do poço, conforme Maria Cícera “hoje tínhamos água, amanhã não tínhamos, hoje graças a eólica a gente tem todo dia.”
 A aposentada dá uma gargalhada de felicidade e explica o motivo “prometeram mais coisa pra nós, mas eu não posso falar o que é.” Indagada pela nossa equipe sobre o que se tratava, ela respondeu “Não posso dizer nada agora, mas é coisa que trará muito benefício a comunidade.”
Além disso, a aposentada descreve que em eventos comemorativos, a empresa tem sempre se lembrado da comunidade. “Foram distribuídos presentes às crianças no natal, no dia das mães, distribuídas flores com cartões.” Indagada sobre se a comunidade era ouvida sobre seus anseios, a aposentada retrucou firme “eles sempre passam lá em casa pra conversar.” Perguntada sobre os efeitos negativos com relação ao meio ambiente ela defendeu “não tem impacto negativo não.”

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